No primeiro post da série sobre a autoestima, mencionamos que a questão é muito discutida, mas, na maioria das vezes, tais discussões são superficiais. Por esse motivo, este é um dos artigos mais importantes do conjunto, já que adverte sobre as implicações de uma autoestima baixa na nossa saúde física e mental, bem como seus danos nas camadas sociais marginalizadas.
Segundo a revista científica “Psicothema”, o nível de autoestima está evidentemente relacionado à saúde mental e, em menor grau, mas com provas empíricas, a comportamentos ligados à saúde física. O artigo cita estudos cujos resultados assinalam que a autoestima prevê a participação de pessoas em exames de diagnóstico precoce de câncer e influencia no comportamento saudável de pessoas com HIV. (1) Em suma, quando se tem uma autoestima positiva, a pessoa tende a se cuidar mais e a adotar práticas saudáveis. Por outro lado, com uma autoestima baixa, ela pode apresentar uma saúde física deficiente.
Infelizmente não há tantas pesquisas sobre a relação da autoestima com a saúde mental de pessoas adultas, mas, como já sabemos que ela se forma através de experiências vividas ao longo da vida, não é difícil prever o que acontece com crianças e adolescente com baixa autoestima na vida adulta.
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Um artigo publicado no Anuário de Psicologia Clínica e da Saúde apresenta ligação entre a baixa autoestima, sintomas psicopatológicos, problemas de comportamento e o presságio de transtornos de personalidade em adolescentes de entre 14 e 17 anos, além de enumerar uma série de estudos e seus respectivos resultados parcialmente resumidos assim: (2:54).
Problemas psicossomáticos
Adolescentes mais sensíveis à dor, com mais sintomas ansiosos-depressivos e mais problemas de comportamento, revelavam ter baixa autoestima, enquanto os que tinham uma autoestima normal, ficavam significativamente sem sintomas físicos.
Obsessão-Compulsão
Adolescentes com baixa autoestima e uma imagem corporal negativa possuem predisposição para desenvolver transtornos de personalidade obsessivo-compulsivos. (2:54)
Depressão
Vários estudos concluíram que existe relação entre a autoestima baixa e a imagem negativa do próprio corpo com sintomas depressivos, predisposição para sofrer de depressão e ideias suicidas. (2:54)
Ansiedade
Adolescentes com autoestima saudável se mostram com baixos níveis de ansiedade, e existe uma relação entre a ansiedade e a imagem negativa do próprio corpo. (2:54)
Ideação paranoica
Estudos observaram a relação entre a ideação paranoica e a baixa autoestima. (2:54)
Comportamento antissocial
Diferentes estudos sugerem que adolescentes com a autoestima saudável manifestam poucos comportamentos antissociais, enquanto aqueles que manifestam comportamentos ameaçadores, intimidantes e agressivos perante os outros padecem de baixa autoestima. (2:55)
Como podemos ver citando apenas alguns dos estudos, a autoestima não é uma questão irrelevante nem superficial, pelo contrário, tudo parece indicar que ela está implicada na nossa qualidade de vida, no nosso bem-estar, na nossa saúde física e mental, sendo, portanto, imperativo trabalhar para desenvolvê-la.
Condições socioeconômicas e autoestima
Depois de tudo o que constatamos até aqui, precisamos falar também sobre um numeroso grupo de pessoas que vive em condições totalmente desfavoráveis para o desenvolvimento de uma autoestima saudável. Isso porque elas pertencem a uma camada social marginalizada, cujas experiências impostas parecem conspirar para exterminar qualquer resquício ou possibilidade de autoaceitação e autovalorização, o que começa desde muito cedo, já que estudos realizados com crianças de diferentes extratos socioeconômicos observaram grande diferença nos níveis de autoestima entre os dois grupos (3).
Essas mesmas crianças, que crescem na pobreza e vinculadas a um sistema de educação pública vergonhosamente medíocre, tornam-se adultos que precisam optar entre um trabalho precário ou o desemprego, já que dificilmente podem ter acesso a oportunidades de trabalho justas, o que gera sentimentos de frustração, desânimo e um lamentável conceito de si mesmas.
“Algumas pesquisas demonstram que jovens desempregados e com alto risco de exclusão social costumam apresentar transtornos psicossociais, autoestima baixa e expectativas nulas para o futuro.” (4:40)
Uma pesquisa nessa linha realizada no México, apresentada no mesmo artigo, vai além, descrevendo os impactos alarmantes desse quadro de pobreza, afirmando que a exclusão de jovens dessa camada da participação política, a baixa autoestima, o trabalho precário e a dificuldade para entrar no mercado de trabalho podem determinar “o rompimento do laço juvenil com a sociedade”. (4:47)
Tais conclusões poderiam facilmente ter sido feitas sobre jovens periféricos brasileiros. Se levarmos em consideração o componente racial, acrescentaríamos aí um agravante, já que a autoestima das pessoas negras vem sendo suprimida desde seu sequestro em terras africanas até a atualidade. As referências de beleza são de pessoas brancas e os negros são os que engrossam as baixas esferas socioeconômicas. Que espécie de autoestima pode ser desenvolvida em tal contexto?
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Conclusões
Trazendo a discussão um pouco para uma ótica espiritual, podemos perceber que ainda falta muito para a humanidade amadurecer. Entre pessoas que buscam crescimento espiritual, é intolerável nos tratarmos com classificação de inferiores e superiores. É intolerável educarmos filhos que pratiquem bullying e colaborem com a destruição da autoestima de outras crianças. É intolerável reprimirmos a autoexpressão do outro com uso de valores de melhor ou pior, aceitável ou inaceitável. É intolerável tentarmos coibir a sexualidade dos outros com falsos padrões morais de normal e anormal...
Tais comportamentos que ainda manifestamos, aliados ao preocupante índice de transtornos mentais no Brasil, principalmente a depressão, só nos revelam que a nossa autoestima, de modo geral, está muito baixa. Por isso precisamos nos mostrarmos superiores, por isso precisamos rebaixar os outros, por isso adoecemos...
Falta mais autoaceitação, mais coragem de nos mostrarmos com autenticidade, como somos, sem medo de críticas, censuras e rejeição, pois só assim permitiremos que os outros também se expressem como são e sejam valorizados por isso.
Evidentemente não posso afirmar que a baixa autoestima seja a raiz de todos os males, mas não podemos ignorar que ela está presente em muitos. Certamente não podemos extinguir todos esses males aumentando a nossa autoestima, mas com certeza, podemos não só atenuá-los, senão também, nos desfazermos de um grande peso que carregamos sobre nossos ombros, que é esse personagem que criamos para nos encaixarmos em padrões, em imposições e em supostas normalidades.
Chegamos ao final deste post e da série. Te convido a ler os anteriores nos links abaixo.
Outros artigos da série:
Referências
1. Mª Pilar Sánchez López, Marta Evelia Aparicio García y Virginia Dresch. Ansiedad, autoestima y satisfacción autopercibida como predictores de la salud: diferencias entre hombres y mujeres. Revista Psicothema 2006. Vol. 18, n.º 3, p. 585. https://www.redalyc.org/pdf/727/72718339.pdf
2. GARAIGORDOBIL, Maite. AINHOA Durá. PÉREZ, José I. Síntomas psicopatológicos, problemas de conducta y autoconcepto-autoestima: Un estudio con adolescentes de 14 a 17 años. Anuario de Psicología Clínica y de la Salud. I, 2005, P. 53-63.
http://institucionales.us.es/apcs/doc/APCS_1_esp_53-63.pdf
3. TABERNER, Carmen. SERRANO, Antonio. MÉRIDA, Rosario. Estudio comparativo de la autoestima en escolares de diferente nivel socioeconómico. Psicología Educativa. Vol. 23, Issue 1, Jun 2017, p. 9-17.
4. SAUCEDO, Laura K. C. CADENA, Cirilo H. G. ESTRADA, Raúl E. L. Exclusión social, inclusión política y autoestima de jóvenes en pobreza, Monterrey, México. Revista de Ciencias Sociales, Vol. XXVI, N.°1, jan-mar de 2020.
Escrito por Marinalva Silva
Terapeuta Holística
Fundadora de Spiralis – Ser Integral